OS CRIATIVOS SÃO CÍCLICOS...

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

AFINIDADE... para Tatiana Ferreira Amorim



AFINIDADE


A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil,
delicado e penetrante dos sentimentos.
O mais independente.

Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos,
as distâncias, as impossibilidades.

Quando há afinidade, qualquer reencontro retoma a relação,
o diálogo, a conversa, o afeto,
no exato ponto em que foi interrompido.

Afinidade é não haver tempo mediando a vida.
É uma vitória do adivinhado sobre o real.
Do subjetivo sobre o objetivo.
Do permanente sobre o passageiro.
Do básico sobre o superficial.

Ter afinidade é muito raro.
Mas quando existe não precisa de
códigos verbais para se manifestar.

Existia antes do conhecimento,
irradia durante e permanece depois
que as pessoas deixaram de estar juntas.

O que você tem dificuldade de expressar
a um não afim, sai simples e claro
diante de alguém com quem você tem afinidade.

Afinidade é ficar longe pensando parecido
a respeito dos mesmos fatos que
impressionam, comovem ou mobilizam.

É ficar conversando sem trocar palavra.

É receber o que vem do outro com
aceitação anterior ao entendimento.

Afinidade é sentir com.
Nem sentir contra,
nem sentir para,
nem sentir por,
nem sentir pelo.

Quanta gente ama loucamente,
mas sente contra o ser amado.

Quantos amam e sentem para o ser amado,
não para eles próprios.

Sentir com é não ter necessidade
de explicar o que está sentindo.
É olhar e perceber.
É mais calar do que falar.
Ou quando é falar, jamais
explicar, apenas afirmar.

Afinidade é jamais sentir por.
Quem sente por, confunde
afinidade com masoquismo.
Mas quem sente com,
avalia sem se contaminar.

Compreende sem ocupar o lugar do outro.

Aceita para poder questionar.
Quem não tem afinidade,
questiona por não aceitar.

Só entra em relação rica e saudável com o outro,
quem aceita para poder questionar.

Não sei se sou claro:
quem aceita para poder questionar,
não nega ao outro a possibilidade de
ser o que é, como é, da maneira que é.
E, aceitando-o, aí sim, pode questionar,
até duramente, se for o caso.

Isso é afinidade.

Mas o habitual é vermos alguém
questionar porque não aceita
o outro como ele é.
Por isso, aliás, questiona.

Questionamento de afins, eis a (in)fluência.
Questionamento de não afins, eis a guerra.
A afinidade não precisa do amor.
Pode existir com ou sem ele.
Independente dele.
A quilômetros de distância.

Na maneira de falar, de escrever,
de andar, de respirar.

Há afinidade por pessoas
a quem apenas vemos passar,
por vizinhos com quem nunca falamos
e de quem nada sabemos.

Há afinidade com pessoas de outros
continentes a quem nunca vemos,
veremos ou falaremos.

Quem pode afirmar que, durante o sono,
fluidos nossos não saem
para buscar sintomas com pessoas distantes,
com amigos a quem não vemos,
com amores latentes,
com irmãos do não vivido?

A afinidade é singular, discreta e independente,
porque não precisa do tempo para existir.

Vinte anos sem ver aquela pessoa com quem
se estabeleceu o vínculo da afinidade!

No dia em que a vir de novo, você vai prosseguir
a relação exatamente do ponto em que parou.

Afinidade é a adivinhação de essências
não conhecidas nem pelas pessoas que as tem.

Por prescindir do tempo e ser a ele superior,
a afinidade vence a morte, porque cada um de nós
traz afinidades ancestrais com
a experiência da espécie no inconsciente.

Ela se prolonga nas células dos
que nascem de nós, para encontrfar sintonias
futuras nas quais estaremos presentes.

Sensível é a afinidade.
É exigente, apenas de que as pessoas evoluam parecido.

Que a erosão, amadurecimento ou aperfeiçoamento
sejam do mesmo grau, porque o que define a afinidade
é a sua existência também depois.

Aquele ou aquela de quem você foi tão amigo ou amado,
e anos depois encontra com saudade ou alegria,
mas percebe que não vai conseguir
restituir o clima afetivo de antes,
é alguém com quem a afinidade foi temporária.

E afinidade real não é temporária. É supratemporal.

Nada mais doloroso que contemplar afinidade morta,
ou a ilusão de que as vivências
daquela época eram afinidade.

A pessoa mudou, transformou-se por outros meios.

A vida passou por ela e fez tempestades,
chuvas, plantios de resultado diverso.

Afinidade é ter perdas semelhantes
e iguais esperanças, é conversar no silêncio,
tanto das possibilidades exercidas,
quantos das impossibilidades vividas.

Afinidade é retomar a relação do ponto em que parou,
sem lamentar o tempo da separação.
Porque tempo e separação nunca existiram.

Foram apenas a oportunidade dada (tirada) pela vida,
para que a maturação comum pudesse se dar.

E para que cada pessoa pudesse e possa ser,
cada vez mais, a expressão do outro sob a forma
ampliada e refletida do eu individual aprimorado.



Arthur da Távola


Aos sentimentos verdadeiros que perpassam
aos anos sem máculas, possibilitando o celebrar
de 4 décadas de absurda afinidade... 

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