É muito interessante observar o quanto a ditadura da velocidade e do "não tenho tempo a perder" retira do cotidiano das metrópoles (e de suas tristes simulações) uma das mais profundas maneiras de aproveitar, de fato, o tempo: a necessária paciência para a fruição, quase degustação lenta, dos movimentos de busca intensa do prazer originário do universo da leitura. Essa insana tacocracia, vivida sem reflexão, produz uma amarga rejeição à eroticidade inerente aos momentos nos quais é preciso entrar no cio emanado da leitura prazerosa, do mergulho intencional e povoadamente solitário que nos atinge quando nos abandonamos aos sussurros que vêm de dentro.
Por isso, ao escrever "A Arte de Amar" (nela incluída a capacidade de não admitir a banalização do erótico no sexual), o psicanalista alemão Eric Fromm — nas suas geniais tentativas de juntar as concepções de Marx e Freud, que tanto influenciaram a contracultura dos anos 1970 — nos advertiu de que "o homem moderno pensa perder algo — tempo — quando não faz as coisas depressa; entretanto não sabe o que fazer com o tempo que ganha, a não ser matá-lo".
Há frase mais tola do que a daquele ou daquela que diz "acho que, para passar (ou matar) o tempo, vou ler alguma coisa"? Ler um livro para matar o tempo? Não! Afonso Arinos de Melo Franco, importante jurista e político mineiro, mais conhecido por ser autor da primeira lei, em 1951, contra a discriminação racial, mas que também era escritor (ingressou na Academia Brasileira de Letras em 1958, mesmo ano em que foi eleito senador), escreveu em "A Escalada" que "domar o tempo não é matá-lo, é vivê-lo".
Viver o tempo! Vivificá-lo, torná-lo substantivo e desfrutável. Ora, nada como um bom livro para fazer pulsar a vida no nosso interior, vida essa que, quando absortos na leitura, nos faz esquecer a fluidez temporal e nos permite suspender provisoriamente a mortalidade e a finitude. É um pouco a percepção que teve o russo Turgueniev dos principais escritores do século 19; na inquietante obra "Pais e Filhos", escreveu: "O tempo, que frequentemente voa como um pássaro, arrasta-se outras vezes que nem uma tartaruga; mas nunca parece tão agradável como quando não sabemos se ele anda rápido ou devagar".
Mas o que é um bom livro? A subjetividade da resposta é evidente. No entanto é possível estabelecer um critério: um bom livro é aquele que emociona você, isto é, aquele que produz sentimentos vitais, que gera perturbações, que comove, abala ou impressiona. Em outras palavras, um bom livro é aquele que, de algum maneira, afeta você e o impede que passe adiante incólume.
A emoção do bom livro é tão imensa que se torna, lamentavelmente, irrepetível. Álvaro Lins, crítico literário pernambucano que chegou a chefiar a Casa Civil do governo JK, fez uma reflexão no "Notas de um Diário de Crítica" que expressa uma parte dessa contraditória agonia: "Ah, a tristeza de saber, no fim da leitura de certos livros, que nunca mais os leremos pela primeira vez, que não se repetirá jamais a sensação da primeira leitura, que não teremos renovada a felicidade de ignorá-los num dia e conhecê-los no dia seguinte".
Certa vez, o grande linguista e pensador brasileiro Flávio Di Giorgi perguntou a um aluno, em um sarau na PUC-SP, se ele já houvera lido a "Odisséia", de Homero; o jovem, cabeça baixa, um pouco envergonhado, disse que não. Imediatamente, o professor, olhos umedecidos, disse a ele, voz embargada e com a sinceridade de sempre: "Eu o invejo; eu já a li".
Assim — mesmo que quase tudo hoje em dia dificulte a urgência de vivificar com uma boa leitura, especialmente a estafa resultante do desequilíbrio e da correria incessante —, muitos não se deixam humilhar pelos assassinos do tempo; para impedir a vitória da mediocridade espiritual, há os que cantam com Djavan — na belíssima "Faltando um Pedaço" — e sabem que "o cio vence o cansaço".
Por Mário Sergio Cortella
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